Sunday, February 12, 2006

CRAZY DIAMOND




Existem dois caminhos a serem percorridos no rock: o do roqueiro que envelhece gozando de imenso prestigio, em meio a uma incalculável fortuna e muita bajulação ou o dos excessos que geralmente levam à morte ou à loucura. Geralmente devido ao fato de o ser humano possuir uma atração atávica pelo trágico, o segundo caso costuma atrair mais atenções, além, é claro, das diversas especulações de toda natureza e dezenas de teorias explicativas para o fato. A lista de casos é bastante vasta, corroborando a tese da exigüidade do rock que se reflete diretamente nas vidas de alguns artistas e bandas, mas um em especial chama bastante a atenção dos amantes do rock; o de Syd Barrett. Syd Barrett foi o epíteto do artista inventivo e idiossincrático, cujos vôos criativos alçados se tornaram grandes demais para uma banda de quatro pessoas distintas e idéias muitas vezes divergentes.
Nascido em Cambridge em 1946, Roger Keith Barret teve uma infância difícil: perdeu o pai, e viveu sob os cuidados sua mãe superprotetora o obrigava a ficar quase sempre dentro do quarto o que acabou servindo como alicerce para sua criação artística posteriormente, já que passava o tempo todo em seu cárcere privado lendo quadrinhos livros, contos de fada e ficção científica. O primeiro interesse de Barrett foi o Jazz, mas com o estouro dos Beatles e dos Rolling Stones, começou a se interessar por Rock n’ roll e R&B e logo começou a tocar guitarra.
Com seu amigo de infância Roger Waters formou o Pink Floyd banda com a qual gravou somente um disco, este, porém, ficaria na história do rock como um dos melhores do gênero. Aproveitando o mote da psicodelia, The Piper at the gates of dawn sintetizava tudo o que habitava a mente de Barrett como um mosaico de tudo que fora vivenciado por ele desde a infância, como a ficção científica (Astronomny Domine e Interestelar Overdrive), fantasias oníricas (Matilda’s mother e the Gnome) e as experiências com alucinógenos cuja influência se faz presente em quase todas as faixas. O primeiro single de Barrett com o Pink Floyd foi See Emily Play, uma música de ambigüidade instigante, pois ao mesmo tempo continha um lirismo pop e ao mesmo uma certa estranheza, assim como Arnold Lane. Antes mesmo do lançamento desses compactos o Pink Floyd já tinha uma boa reputação no underground inglês com seus shows que contavam com projeções de slides que exibiam imagens abstratas e experimentos com efeitos luminosos. O som da banda era uma verdadeira anarquia sonora elevando o conceito de música experimental à enésima potência, o que só fazia mesmo sentido para quem era adepto dos lisérgicos, mas a despeito dos donos das casas onde se apresentavam que sempre perguntavam por que eles não faziam um som decente, a banda conquistou fãs e respeito da critica especializada. The Piper of the gates of down foi lançado no mesmo ano de Sgt Pepper’s e vários outros discos psicodélicos de bandas inglesas como Their satanic majesties request dos Stones, the Who sell out do Who e Odgen’s nut gone flake do Small faces, mas the piper’s não obteve sucesso de vendas na época e somente após alguns anos virou objeto de culto.
No entanto o inferno astral de Barrett estaria para começar. No ano seguinte ao lançamento de the Piper, Syd começou a assumir um estilo de vida que contrariava os padrões de normalidade se fechando cada vez mais em um mundo particular. Syd passou um tempo na França tocando como busker (músico de rua) e vivia constantemente sob efeito de alucinógenos, numa ocasião chegou a ser preso e levado de volta à Inglaterra. Em seu flat tomava todos os dias uma mistura de café com LSD (que ele oferecia até para seus gatos), não comparecia aos ensaios e apresentava um olhar vago, distante, como se estivesse em total simbiose com a abstração de suas composições. Para os demais membros da banda isso não era bom; eram uma banda em ascensão com potencial para se tornar grandes, o estado de Barrett era um entrave, pois chegara a subir em um palco e não tocar, ficava apenas parado olhando para um ponto indefinido. Tudo conspirava a favor da saída de Syd Barrett da banda, mas devido a à forte amizade de Roger Waters a demissão foi procrastinada ao máximo. A idéia de Waters era chamar o amigo David Gilmour para tocar guitarra no lugar de Syd que apenas cantaria. A idéia naufragou. Outra saída encontrada seria Syd atuar apenas como compositor-mentor espiritual da banda, sem gravar nem subir no palco, mas suas idéias quase sempre eram incompreensíveis para os demais, pois Syd alcançara um grau de poesia abstrata, filosofia e modus operandi tão intangível que entrava em total descompasso com seus companheiros. O inevitável aconteceu quando os membros da banda foram aos pouco afastando Syd que aparecia em alguns shows do Pink Floyd e postava-se encarando David Gilmour como uma forma de dizer “esse não é o seu lugar”. O Pink Floyd lança então seu segundo disco Saucerful of secrets que embora não conte com Syd em sua formação, é inegável sua influencia no som do álbum que tem uma atmosfera muito semelhante à do anterior. Syd Barrett apareceria como cantor e compositor da ultima faixa, a niilista Jugband Blues que reflete estado de espírito do artista naquele momento. Seu estribilho diz: I don’t care if the sun don’t shine/I don’t care if nothing is mine/And I don’t care if I’m nervous with you/I’ll do my loving in the winter(Não me importo se o sol não brilha/Não me importo se nada me pertence/E eu não me importo se estou bravo com você/Eu farei amor no inverno) Expulso da banda que ele mesmo fundara a Syd Barrett só restava uma carreira solo, o que não seria um problema, pois tinha material de sobra. Como não houve grandes desavenças, Gilmour, substituto de Barrett produziu o primeiro disco solo deste, Madcap Laughs de 1970, um álbum pesado e melancólico como se esperava. No mesmo ano ainda lança Barrett, álbum que traz músicas que se assemelham mais à fase Pink Floyd como Gigolo Aunt e Baby Lemonade. Depois de alguns shows de divulgação de seu trabalho solo, Syd Barrett resolve abandonar a musica em 1971 só colocando os pés em um estúdio 3 anos depois para visitar de surpresa os ex-companheiros de banda que gravavam o álbum Wish you were here. Mesmo longe do Pink Floyd, o legado de Syd Barrett foi a pedra fundamental para tudo que o Pink Floyd faria dali por diante. Seja nas musicas abordando temas como loucura (como Brain Damage) e outras claramente compostas em sua homenagem (Shine on you crazy diamond e Wish you were here); seja na concepção elaborada dos palcos dos shows, sempre com telões e efeitos de luz rebuscados, herança dos primeiros shows com Syd a frente da banda. Não só o Pink Floyd mas várias outras bandas seguiram este conceito de show de rock que se mantém vigente até os dias de hoje.
Syd Barret voltou para Cambridge, internou-se em uma clinica psiquiátrica e depois se tornou recluso em sua casa frequentemente visitada por fãs, que podem ser recebidos ou não, dependendo de seu humor no dia. O ultimo disco de Syd Barrett a ser lançado foi Opel de 1988, coletânea de músicas não lançadas e versões alternativas. Hoje com 59 anos Syd vive na casa de sua falecida mãe, tem aversão a multidões e se dedica à pintura e à leitura.

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